
Escrevo nestas horas mortas… Quando menos me apetece… Quando o cansaço me consome, e quando o sono me deixa completamente desnorteado. Escrevo quando as mãos me doem, quando estou farto de escrever, quando a cabeça parece andar à roda, fatigada, estafada, estufada…
Escrevo porque não quero escrever, porque não sei escrever, porque não sei O que escrever; escrevo porque já está tudo escrito, ou melhor, porque me revolta pensar que já está tudo escrito. Então, por breves instantes (nos quais me apetece tanto escrever como morrer), finjo ser o arquitecto supremo do mundo, e escrevo… Mas, à semelhança do verdadeiro arquitecto, pouca coisa de jeito se pode aproveitar deste súbito ataque de escrita controlado. Apenas se pode notar no meu maldito texto um sentimento de raiva com as palavras, que, apesar de parecerem tão simples e tão fáceis de manusear, estão repletas de segundas intenções, de segredos e de medos… Alguém me disse um dia que as palavras parecem punhais… É pena essa frase ter sido dita pela pessoa cujas punhalavras me fizeram sucumbir a primeira vez que morri… Já lá vão muitos segundos… Segundos ora, pois contei-os. Mas já foram muitos!
Mas odeio também as palavras quando estas me fazem sentir feliz. Odeio-as porque dão voz àquilo que não deveria ser dito ou demonstrado por palavras… É que parece tão simples usá-las, e quando nos damos conta elas é que nos estão a usar a nós. Odeio-as porque ás vezes elas se adiantam e falam antes de eu as pensar, antes de eu as escolher. São atrevidas, malmandadas. Odeio-as também por serem espontâneas, por serem animalescas; por transformarem sentimentos puros em palavras gastas; em palavras rotas, remendadas, mas já sem conteúdo: vazias. As palavras enganam.
Vou passar a não ouvir. Melhor, vou passar a não ouvir palavras. Vale a pena ouvir o mar, o vento, a chuva… ouvir um corpo… Mas palavras não. Palavras doem. As palavras julgam-se donas da verdade; julgam que lá por serem a materialização, que são também o material. Pois bem, eu não sou feito de palavras.
Bem, acho que vou ser obrigado a parar de escrever por imperativo de consciência. Aliás, dizer que é um “imperativo de consciência” é já um motivo suficiente para ir dormir e ter bons pesadelos. É que estava a gostar de escrever estes parágrafos, e este, como bom manifesto anti-prosa e anti-palavra que pretende ser, peca já por alguma empatia com estas minhas arqui-inimigas. E isso, não pode ser.
Enfim, deixo estas palavras aqui escritas e guardadas, e só espero que se matem umas às outras, pois não dizem NADA. Mas, o que é nada?!?! É só mais uma palavra…